Três em Um

03/12/2011 15:08

      A casa em ruína abandonada, sem número, sem dono, sem alma, sem nada, destroçada quase transformada em tapera, se não fosse um pedaço de parede que ainda teimava em ficar aos trancos e barrancos.

      Parece qua a música Saudosa Maloca ( de Adoniran Barbosa) " Se o senhor não "tá" lembrado dá licença de "contá" que aqui onde agora está..." inspirou-se na ex-morada. Ex é bom, é saudosa... Foi aí que num quase pedaço de parede condenada que alguém escreveu em letras confusas, tortas, mas 1/2 legível: " Em casa de menino de rua o último a entrar para dormir apaga a luz."  

       Alí amontoavam-se 2 ou 3 seres viventes que antes eram neo, novinhos. Antes? Permaneciam. Filhos adotados, bastardos, excluídos da cidade grande. Foram tragados, laçados, embrulhados, puxados, absorvidos pela teia feita de visgo que abocanha criaturas.

       Caiu na teia é presa! Jamais se desvencilham do envoltório pegajoso físico e mental que lhe servem de amparo. A lombra dribla, camufla a consciência. O jornal e o papelão aquecem o corpo cansado, exausto de perambular por aí a cata de migalhas, N, múltiplos, infinitos paladares, quantidade exorbitande sobrou... O estômago reclamou o excesso, virou sobras, sobras de degustação palatável que foram descartadas, desprovidas de bom gosto. No lixo, o resto do luxo que eram bem-vindas em forma saciável.

         Planos para o futuro, nenhum. Eles não fazem planos. Quer fazer Deus sorri? Faça planos. Os dias passam sempre seguidos de noites, tudo igual e na mesmice cotidiana eles vão e vêm pelo palco das ruas, mãos e bolsos vazios. Que bolsos? Da pobre vestimenta desajeitada, farta apenas em tecido somente, a cobrir o corpo esquálido em altura e peso descompensado.

         A vida para todos mostra duas portas: uma de entrada, outra de saída. Pra ele só uma é escancarada, a porta de entrada. Ela abocanha com tentáculos de polvo, o abocanhado vira refém pra sempre. O destino é escabroso nesta travessia, passagem só de ída. E de tando transitar na corda bamba vira rotina.

          Lá pras tantas, alguém, rotineiramente, passava pelo local citado, observou que ali só restou um quadrado desprovido até de poeira. E os meninos? Cadê os meninos? Não havia nem sinal, nenhum vestígio... E foi tirar informações, pensou: Como? Não sei nada sobre eles. Talvez, não sejam cidadãos! Desprovidos das credenciais... O nome, provavelmente, a mãe batizara-lhe com nomes importados daquele tipo que pouca gente sabe pronunciar ou escrever. É, mas se assim for eles têm um codinome... Qual? Quisá, é válido somente na intimidade, nome é dispensável, é trivial. E foi lá, uma mulher mostrando-se rancorosa mal respondeu ao cumprimento. Cadê os meninos? E apontou pro local. Ela, grosseiramente responde: - Eu não gosto de falar sobre isto, detesto falar. Eles foram para onde nunca deveriam ter saído. -Os três?  - Exato. Cada um movido a desgraça diferente, contemplados com o bilhete da derradeira viagem.

           Voaram amordaçados, sedados. Deduz-se.

           Sem rebelião, sem alvoroço, nem reclamação, nem ornamentação. Tudo foi dispensável. Nada faltou, porque de nada precisou, de nada, nada. O silêncio foi testemunha. Passou para o próximo capítulo.