Enfim, Sósias

08/01/2012 15:57

              A imagem era sem rosto, confusa. Seria o resto? Cadê o resto? O original que compunha o todo, a estética configurada, cabeça X corpo. A harmonia foi quebrada, a imagem não se mostrava inteira, era fracionada, desprovida da cabeça, do rosto que deveria está ali atrelada ao corpo estético. Dúvida e mais dúvida... Terá ido parar no lixo? Ou não se adaptara com sua posição no topo do corpo? Ora, ora, mas o topo é o objeto de desejo ou não? Então, se queixar de que? Só faltava um anúncio: pede-se, procura-se um rosto inserido na cabeça.

              A descrição lógica que não seria qualquer uma teria que ser sofisticado e belo dentro das proporções configuradas harmonicamente. Que via crucis escolher algo por parte! Aplausos para a mãe natureza, o Criador que entrega tudo de bandeja, prontinho, milimetricamente, arquitetado.

              E a imagem incompleta ali a pedir socorro ou enganar o aflito telespectador, não era oferecida ao público, não, não, era direcionada a mim desprovido de argamassa, papel machê, gesso e ferramentas da construção e de DNA que pudesse ao menos emprestar mesmo em consignação.

              Na calada da noite, como o risco de um raio sempre ali na minha frente a imagem ereta, incompleta, mas lembrava um manequim numa vitrine inanimados, estáticos, só o vento, ousadamente, propunha tocar-lhe, isto é, quando abrange aquele local. Alguém se habilita a ser dono daquela imagem? Ninguém respondeu, parece ser mesmo intransferível. Uma parceria gratuita, quiçá manipulada habilmente pela mente que não desmente. Estava ali como a cobrar a parte desfalcada que resultara em dependência, nasceram juntas, viveram, cresceram, sabe-se lá por que cargas d'agua estava multilada? Há quanto tempo?

              A imagem de boa memória não esquecia o caminho. Seria vagabunda? Sem remorso dir-se-ía talvez era nômade, desajuizada, perambulava, mas tinha ali um porto seguro, uma âncora expressa em T fincava-lhe diante de mim sem nenhum esforço, naturalmente, estática. Criou-se uma cumplicidade, aprendi a vê-la sem o pedaço! Mas, a busca procede no sôfrego desejo de construir a imagem perfeita. E haja retalhos... Uns esgarçados, outros esfiapados a maior e a menor grosseiros, fininhos, pareciam manipulados, deixavam a desejar... E nos acessórios dos acabamentos só ocorriam ideias tralhas, pirateadas, um desastre para acabamentos.

                Imagens estranhas, sem nitidez, talvez fantasmagóricas. Tive que descartá-las sem alinhavos, sem moldes, sem medidas, sem nada de referência. O cansaço mental se avizinha e o anônimo corpo descabeçado talvez já padecesse de enfado também, apesar de não reclamar, mas se ali retornava era em busca do complemento que outrora, talvez em estado etílico, quis desfazer-se do atributo para ficar ZEN e deu nisto e precisava reavê-lo por isso ficou a catar, a buscar, reencontrar e as lembranças ficavam bloqueadas sem lhe direcionar o rumo certo.

                 Num momento vazio de ideias, veio de chofre a pioneira, sim. Veio meio franzida, dobrada, irregular, mostrava-se tímida, vulnerável, mas veio. Peguei carona e corri a tempo de não perdê-la. Recebi o acessório de suas mãos e olhe que mãos de ideias são vezes longas ou curtas. Preferi a alongada e zás! Aquele objeto redondo, pesado, fluorescente, sofisticado que trazia no bojo um furo que fora feito a martelinho na medida padrão da cabeça. Neste instante fora composta a figura completa. O corpo ali estático, receptivo a parte que lhe faltava, cabeça e rosto.

                  Rapidamente, lancei mão do CAPACETE e acoplei no lugar que dantes era seu. Senti a gratidão em forma de apetite, caiu como uma luva. Avisei: leva que é tua. Sorri, sorrimos, eu escancarei as orelhas, a figura, discretamente. Não precisou mais dizer nada. Ninguém se conhece! Sem repetição. Nem lembrava mais daquilo. Misturamos as risadas.Ela foi saindo, senti vontade de ir buscá-la ou ir junto, não era saudade, era a convivência. Defendi-me, vesti-me de blindagem. Acabou, estou blindado!

                  Ela de mim afastando-se, telepaticamente, nos olhamos, foi quando uma voz sussurrou no interior do meu ouvido: olhe a viseira! Olhei, fixei o olhar, percebi então o improvável, o provável estava ali na minha frente, minha cabeça e rosto estavam a mirar-me de dentro do capacete, não tive dúvida, era eu, era meu rosto, minha feição. Eu estava aqui, ela ali. Fui lá pertinho, olhei dizendo: prazer em conhecê-la, ela apenas confirmou. SÓSIAS?! Indaguei, ela confirmou com um aceno. Saiu. Manejei uma esponja com esfregões descomunais, faxinei dentro e fora onde haviam respingado gotas do acontecido. Nem vestígios, nem lembranças, nem vontade de lembrar restou, demorou o antídoto foi eficaz.